17/12/2013

Não era "apenas uma piada"?



Não queria escrever novamente sobre Danilo Gentili, mas uma visita ao twitter do humorista me fez mudar de ideia. Ele compartilhou um vídeo chamado “A História do Politicamente Correto” e, a seguir, reproduzo e explico algumas passagens retiradas do vídeo.


“... os trabalhos de Horkheimer, Adorno, Fromm e Marcuse foram lançados em seu primeiro produto tangível, a Teoria Crítica. (...) a teoria é criticar, uma crítica destrutiva a cada instituição da sociedade ocidental. Eles esperavam trazer aquela sociedade abaixo.

Segundo o vídeo, os autores acima mencionados criaram uma teoria que visava a "destruição" através da crítica à sociedade ocidental. 


“A Teoria Crítica é a base para estudos gays, estudos negros, estudos feministas e vários outros departamentos encontrados nos campus universitários hoje. Esses departamentos são as instalações do politicamente correto”.

De acordo com o vídeo, tal teoria é a base para as minorias "fantasiarem" o politicamente correto. 


“A escola de Frankfurt incorporou até mesmo o maior modismo do politicamente correto, o ambientalismo, em seu marxismo cultural”.

Segundo o vídeo, discutir e debater sobre o meio ambiente é "modismo" do politicamente correto.


“(...) quem poderia substituir a classe trabalhadora como agente da revolução? Eles procuravam novos círculos eleitorais, seja os estudantes negros, mulheres, gays, ou qualquer outra coisa que seja, e Marcuse tinha um marxismo fluente que preenchia isso”.

Ainda de acordo com o vídeo, estudantes negros, gays, mulheres ou qualquer outra minoria são "agentes da revolução esquerdista" que, através da exigência de direitos e da crítica a quem os reprime, pretendem "arrasar a sociedade".


“Os trabalhadores não poderiam mais ter o papel hegemônico do marxismo tradicional como era esperado, e esperava-se que estudantes, negros, mulheres e outras minorias se reunissem”.

O vídeo ratifica a "união das minorias contra a sociedade".


“De grande importância na injeção do trabalho da Escola de Frankfurt na rebelião estudantil dos anos 60, foi o resgate de Marcuse da noção de Fromm de liberação sexual.  Marcuse, no intento, foi o principal controvertido de ideias. Marcuse trabalhou em importante livro nos anos 50 chamado Eros e Civilização, trabalho no qual tentava jogar Freud contra a corrente e vinha com uma nova leitura utópica e radical da psicanálise, e aquilo combinava com a noção browniana de vida contra a morte de grande impacto na contracultura, enfatizando o elemento libido”.

Segundo o vídeo, a liberação sexual e a libido tornaram-se elementos propulsores da rebelião das "minorias repressoras" (minorias repressoras!)


“Marcuse condenava toda restrição ao comportamento sexual, chamando de “perversidade polimorfa””. 

(O tom da frase é negativo).


“Ao usar camadas primitivas da psique humana, haveria potencial para que o prazer e expressão sexual, não sendo mantidos organizados ou reprimidos em noções de heterossexualidade, tivessem alguma capacidade para se tornar um elemento de agitação”.

De acordo com o vídeo, a não imposição da heterossexualidade é um elemento de "agitação" e consequente ruína. Prazer e expressão sexual são ideias "primitivas".


““Perversidade polimorfa” ajudou a abrir caminhos para elementos do politicamente correto com a liberação gay”.

O vídeo continua e afirma que a não restrição ao comportamento sexual estimula o homossexual a exigir direitos (!!!), o que é um elemento "abominável" do politicamente correto.


“De qualquer maneira, as pessoas sempre pensam em teorias complicadas para, você sabe, fazer o que querem. As pessoas queriam fod*** muito nos anos 60 e Hebert Marcuse deu a elas a justificação intelectual de fazer muito sexo com várias pessoas”.

Segundo o vídeo, Marcuse defendia "abjeta" ideia do sexo com várias pessoas e, como os indivíduos querem mesmo é foder, passaram a aceitar suas teorias.


“Marcuse também é fonte de uma das mais conhecidas características do movimento politicamente correto: a intolerância a cada ponto de vista intolerante, exceto o seu próprio”.

De acordo com o vídeo, a minoria, ao criticar a intolerância do outro, censura a "liberdade de repressão" e torna-se "intolerante".


“Marcuse argumentou que nossa livre sociedade americana era na verdade uma decepção pois sua verdadeira tolerância era repressiva e argumentava a favor de algo chamado “tolerância libertadora”.  O que ele queria dizer era que a “tolerância libertadora” é intolerância pelas ideias e movimentos de direita e tolerância pelas ideias de esquerda”.

E, finalmente, o vídeo propaga que Marcuse dizia que a livre sociedade americana reprimia as minorias. Mas, como reprimir minorias faz parte do conjunto de ideias e movimentos de direita, não pode ser alvo de críticas. Sentir-se agredido por uma ideia de direita que reprime alguma minoria é mera "intolerância" (!!!) e agitação da esquerda "contra a sociedade".




A ideia central do vídeo é, portanto, destacar que ser politicamente correto é um ato da esquerda - através da união das minorias - "reprimir" as ideologias da direita e “trazer a sociedade abaixo”. Afinal, a direita, segundo o vídeo, defende a "liberdade de repressão", e aquele que se defende daquela repressão é um esquerdista nojento que simplesmente gosta de foder.


Mas, Gentili... ridicularizar minorias é, realmente, "apenas uma piada”? Pois, conforme o vídeo que você divulgou, é fácil concluir que, na verdade, é um meio em que você pratica a sua "liberdade de repressão".




(O vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=18NZZn00L-Q)

11/12/2013

O Lobato de Gentili


Monteiro Lobato admirava a eugenia, uma ideia que exalta a “superioridade” da “raça branca" em relação às outras. Em um trecho de carta enviada ao médico eugenista e amigo Renato Kehl, Monteiro Lobato expõe: "Renato, Tú és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. [...] Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade pecisa de uma coisa só: póda. É como a vinha. Lobato”. O criador da boneca Emília seguia uma (dita) “ciência” que justifica o racismo.

Lobato chegou a escrever um livro intitulado O Choque das raças ou o presidente negro, em 1926. Em outra carta, ele explicou a história: "Um romance americano, isto é, editável nos Estados Unidos (...). Meio à Wells, com visão do futuro. O clou será o choque da raça negra com a branca, quando a primeira, cujo índice de proliferação é maior, alcançar a raça branca e batê-la nas urnas, elegendo um presidente negro! Acontecem coisas tremendas, mas vence por fim a inteligência do branco. Consegue por meio de raios N. inventados pelo professor Brown, esterilizar os negros sem que estes se dêem pela coisa". A narrativa previa, em seu desfecho, a eliminação da raça negra pelos “inteligentes” brancos através da inserção de uma substância esterilizante em um produto para alisamento de cabelos crespos. 

Em outra carta, enviada a Arthur Neiva, Lobato lamenta a falta de uma organização como a Ku Klux Klan no Brasil: "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve suas impressões? E eu respondo: Porque é inútil e seria cair no ridículo. Escrever é aparecer no tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exibir-se diante de uma assistência de moleques feeble-minded e despidos da menos noção de seriedade. Mulatada, em suma. País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. André Siegfred resume numa frase as duas atitudes. "Nós defendemos o front da raça branca - diz o sul - e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um segundo Brasil". Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva.”. Para completar, um dos livros preferidos de Lobato, L’Homme et les Sociètes (1881), além de desaprovar a miscigenação, defende que as mulheres, independente da raça, são inferiores aos homens de qualquer raça. Ou seja, Monteiro Lobato também admirava a misoginia.

Pode-se afirmar, porém, que isso afetou as suas obras infantis? 

Respondo com outra pergunta: qual era o seu referencial e público alvo? Ou melhor: qual era o seu objetivo?

Os termos “macaco", “burro”, “fedorento”, "carvão", "ladrão", "vagabundo", "coisa", dentre outros, são amplamente utilizados por Monteiro Lobato para adjetivar seus personagens negros. Será que Lobato utilizava tais termos de forma ingênua e sem segundas intenções? A resposta parece clara, mas o próprio Lobato a respondeu, certa vez, ao confidenciar que sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente". Ou seja, Lobato utilizava a escrita para, indiretamente, propagar a eugenia de forma sorrateira e articulada.

Tais termos são ofensivos sem a contextualização da eugenia de Lobato? É claro que são! São termos que insultam e humilham. São termos que atingem, principalmente, crianças e jovens. Não é necessário, ou melhor, não deveria ser necessário construir argumentações tão intensas para demonstrar o que é nítido. 

"King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?". Piada escrita por Danilo Gentili. 

“Quantas bananas você quer pra deixar essa história pra lá?”. Pergunta de Danilo Gentili a um negro.

"Chupadora de rola de genocida e corrupto". Danilo Gentili, a uma mulher.

"Fanzocas a xingue de puta". Danilo Gentili pede, a seus fãs, que xinguem a uma mulher.

Danilo faz piadas sobre negros, mulheres, gays, pobres e qualquer outra minoria que, historicamente, é vítima de repressão. Pergunto: ele é apenas um humorista ingênuo? Ele desconhece a história da humanidade, o real significado da liberdade de expressão e dos direitos humanos? Ele não enxerga as consequências dos próprios atos? Ele não percebe que grande parte do seu público é jovem e alvo fácil?

Gentili tem 34 anos, formou-se em Comunicação Social, é empresário, faz sucesso e comanda um programa de entrevistas. Não acredito que exista ingenuidade em seu currículo. Gentili sabe o que propaga e atinge, busca as consequências, percebe o teor e arquiteta as falas. Ele não é o “bobão alienado” que demonstra ser e faz questão de parecer. Percebo um homem que - convicto - propaga “indiretamente” as próprias ideologias. 

E, pelo sucesso, “work” muito bem.



Cartas extraídas do texto de Ana Maria Gonçalves sobre Monteiro Lobato, em http://www.idelberavelar.com/archives/2011/02/carta_aberta_ao_ziraldo_por_ana_maria_goncalves.php

01/10/2013

Breaking Bad submerso


O primeiro episódio de Breaking Bad é um importante composto químico da série. É parte do conceito que explica o comportamento imoral - aflorado a cada episódio - de Walter. A resposta está nos minutos iniciais. Antes de o médico lhe informar sobre o câncer.

Walter White é um homem frustrado. É fruto da sociedade, semente contaminada em terra contaminada. É um homem apático, inerte, submisso, infeliz e impotente.

Os primeiros minutos são eficientes ao transmitir o perfil psicológico do protagonista. Ele observa, com pesar, o seu prêmio de Química. Tenta lecionar para alunos desinteressados. É ridicularizado enquanto encera o carro de um estudante que não o respeita. O aluno representa aquilo que afeta Walter psicologicamente. 

Acompanhamos o fracasso. O seu espanto, ao abrir a porta e se deparar com uma festa surpresa, é ilustrativo. É um susto legítimo. 

Walter está deslocado na própria festa de aniversário enquanto o seu cunhado, Hank, é o protagonista. Walter Jr. evidencia toda a sua admiração pelo tio enquanto o pai o observa. Todos os convidados assistem a uma entrevista de Hank e a seu sucesso profissional. 

Walter é o único a não demonstrar interesse pelo que Hank diz e é, ainda assim, o mais afetado. A sua expressão se transforma ao observar uma sacola de dinheiro apreendida por Hank. Não consegue conter o seu interesse pela quantidade de dinheiro que o tráfico de drogas movimenta. 

Walter soube que estava doente apenas no dia seguinte.

O cenário, em resumo, é o fracasso do protagonista diante do sucesso do adversário. Hank sempre foi o rival, o “macho alfa”, o homem admirado pela família composta por ele, Marie, Walter, Skyler e Walter Jr.

A última cena do episódio piloto é o primeiro ato de Heisenberg. Walter não mais quer ser o submisso da relação e cobiça o poder. Heisenberg o cumpre. O ato sexual transpira o almejado domínio, representa o renascer da sua masculinidade. As drogas lhe deram vida na quimioterapia e na criminalidade.

Walter era o “vilão” da série desde o primeiro episódio. Um anti-herói vivo e adormecido. Um homem cheio de falhas e erros. As adversidades fizeram transparecer o seu caráter, gradativamente.

Hank era um homem corajoso e demonstrou integridade quando contou a verdade sobre a sua agressão a Jesse, ainda que lhe custasse o emprego.  Era o “herói” real, cheio de falhas e erros. Porém, as adversidades não comprometeram o seu caráter (apesar do desvio na reta final ao dizer que não se importava com a vida de Jesse. Considero falha dos roteiristas ou uma tentativa de mostrar que, em alguns momentos, todos podem ser “anti-heróis”).

O episódio em que Hank afirma ter descoberto que Gale é o famoso Heisenberg desenha a rixa. Por vaidade e disputa, Walter, além de não admitir que outra pessoa furte a sua “genialidade”, recusou e confrontou o sucesso do cunhado.  

Não foi coincidência a escolha de White pela nova “profissão”. Hank, o homem antidrogas. Walter, o homem das drogas. A antítese perfeita.

O câncer foi a desculpa. Walter se enganou, por um tempo, ao acreditar que produzia drogas para proteger a família. Era por ego, inveja, vaidade e poder. Estava vivo na criminalidade, estava livre das amarras morais que atavam Heisenberg. Walter, por apatia e covardia, precisou de uma situação extrema para, finalmente, quebrar o casulo. 

Com o “cristal azul”, Walter tentou superar a ideia que considerava ser responsável pelo sucesso da empresa dos ex-sócios. Sentia-se traído pelos antigos colegas e frustrado por não ser um integrante da corporação bilionária. O episódio final delineia a sua angústia por não ser reconhecido como o criador da iniciativa. O extremo e exagerado orgulho que sentia pelo “cristal azul” era reflexo de tal desilusão.  

A sua “sociedade” com Jesse o remetia à sua relação com tais ex-sócios e, também, à sua relação com o filho. Walter Jr. era ligado a Hank e não queria que ninguém o chamasse pelo nome real. A cena em que White se embriaga e desafia o próprio filho a beber é uma nítida disputa, com o cunhado, pelo domínio do herdeiro. 

Pinkman é um jovem solitário, desestimulado, em busca de aceitação. Os pais desistem de ajudá-lo (ou nunca o ajudaram) e ele se afunda em amargura. Queria salvar-se da solidão. É fruto da sociedade, semente desamparada em terra contaminada. 

Walter queria ser o orgulho de Jesse e era agressivo com aqueles que interferiam na relação. Nunca desistia daquela “sociedade” e não aceitava o afastamento do parceiro. Em um episódio, depois que Júnior ampara o pai ferido e dopado, Walter o chama de Jesse. Era pai e sócio possessivo de Pinkman, se aproveitava das fragilidades do parceiro, que ansiava por reconhecimento. Assim que se sentiu traído pelo sócio e filho adotivo, Walter exalou o rancor que direcionava àqueles que o desafiavam.

Walter surta ao pensar que Jesse criou uma nova parceria. Seria a reprodução da história: Jesse se aproveitava da sua ideia para associar-se a outros e enriquecer. O alívio que sentiu ao descobrir que Jesse era, na verdade, um escravo, o fez proteger Pinkman nos minutos finais.

Para Walter, Jesse era um jovem estúpido e manipulável. Sempre deixava claro o que pensava do parceiro, principalmente nas brigas. Para manipulá-lo, com dificuldade admitiu, algumas vezes, que o "cristal" de Jesse era de qualidade. Mas somente porque sentia-se superior ao sócio e sabia que as outras pessoas o enxergavam como "o chefe" da dupla.

Heisenberg era a representação de todas as frustrações citadas. Era um homem controlador, egoísta, dissimulado e vaidoso. Os criminosos mais maliciosos sempre enxergaram nele uma ameaça, já que Walter não aceitava um Heisenberg submisso. Desejava ser o patriarca da nova “empresa”, um desejo que era a massa do seu fracasso familiar e seu fracasso profissional. Uma mistura química comparável ao poder de destruição da mais potente droga.