O primeiro episódio de Breaking Bad é um importante composto
químico da série. É parte do conceito que explica o comportamento imoral -
aflorado a cada episódio - de Walter. A resposta está nos minutos iniciais. Antes de o médico lhe
informar sobre o câncer.
Walter White é um homem frustrado. É fruto da sociedade, semente
contaminada em terra contaminada. É um homem apático, inerte, submisso, infeliz
e impotente.
Os primeiros minutos são eficientes ao transmitir o perfil
psicológico do protagonista. Ele observa, com pesar, o seu prêmio de Química. Tenta
lecionar para alunos desinteressados. É ridicularizado enquanto encera o carro
de um estudante que não o respeita. O aluno representa aquilo que afeta Walter
psicologicamente.
Acompanhamos o fracasso. O seu espanto, ao abrir a porta e
se deparar com uma festa surpresa, é ilustrativo. É um susto legítimo.
Walter está deslocado na própria festa de aniversário
enquanto o seu cunhado, Hank, é o protagonista. Walter Jr. evidencia toda a sua
admiração pelo tio enquanto o pai o observa. Todos os convidados assistem a uma
entrevista de Hank e a seu sucesso profissional.
Walter é o único a não demonstrar interesse pelo que Hank
diz e é, ainda assim, o mais afetado. A sua expressão se transforma ao observar
uma sacola de dinheiro apreendida por Hank. Não consegue conter o seu interesse
pela quantidade de dinheiro que o tráfico de drogas movimenta.
Walter soube que estava doente apenas no dia seguinte.
O cenário, em resumo, é o fracasso do protagonista diante do
sucesso do adversário. Hank sempre foi o rival, o “macho alfa”, o homem
admirado pela família composta por ele, Marie, Walter, Skyler e Walter Jr.
A última cena do episódio piloto é o primeiro ato de
Heisenberg. Walter não mais quer ser o submisso da relação e cobiça o poder.
Heisenberg o cumpre. O ato sexual transpira o almejado domínio, representa o renascer da sua masculinidade. As drogas lhe
deram vida na quimioterapia e na criminalidade.
Walter era o “vilão” da série desde o primeiro episódio. Um
anti-herói vivo e adormecido. Um homem cheio de falhas e erros. As adversidades
fizeram transparecer o seu caráter, gradativamente.
Hank era um homem corajoso e demonstrou integridade quando
contou a verdade sobre a sua agressão a Jesse, ainda que lhe custasse o emprego.
Era o “herói” real, cheio de falhas e
erros. Porém, as adversidades não comprometeram o seu caráter (apesar do desvio na reta final ao dizer que não se importava com a vida de Jesse. Considero falha dos
roteiristas ou uma tentativa de mostrar que, em alguns momentos, todos podem
ser “anti-heróis”).
O episódio em que Hank afirma ter descoberto que Gale é o
famoso Heisenberg desenha a rixa. Por vaidade e disputa, Walter, além de não admitir
que outra pessoa furte a sua “genialidade”, recusou e confrontou o sucesso do
cunhado.
Não foi coincidência a escolha de White pela nova
“profissão”. Hank, o homem antidrogas. Walter, o homem das drogas. A antítese
perfeita.
O câncer foi a desculpa. Walter se enganou, por um tempo, ao
acreditar que produzia drogas para proteger a família. Era por ego, inveja, vaidade e poder.
Estava vivo na criminalidade, estava livre das amarras morais que atavam
Heisenberg. Walter, por apatia e covardia, precisou de uma situação extrema
para, finalmente, quebrar o casulo.
Com o “cristal azul”, Walter tentou superar a ideia que
considerava ser responsável pelo sucesso da empresa dos ex-sócios. Sentia-se
traído pelos antigos colegas e frustrado por não ser um integrante da corporação
bilionária. O episódio final delineia a sua angústia por não ser reconhecido
como o criador da iniciativa. O extremo e exagerado orgulho que sentia pelo
“cristal azul” era reflexo de tal desilusão.
A sua “sociedade” com Jesse o remetia à sua relação com tais
ex-sócios e, também, à sua relação com o filho. Walter Jr. era ligado a Hank e não
queria que ninguém o chamasse pelo nome real. A cena em que White se embriaga e
desafia o próprio filho a beber é uma nítida disputa, com o cunhado, pelo
domínio do herdeiro.
Pinkman é um jovem solitário, desestimulado, em busca de
aceitação. Os pais desistem de ajudá-lo (ou nunca o ajudaram) e ele se afunda
em amargura. Queria salvar-se da solidão. É fruto da sociedade, semente
desamparada em terra contaminada.
Walter queria ser o orgulho de Jesse e era agressivo com
aqueles que interferiam na relação. Nunca desistia daquela “sociedade” e não
aceitava o afastamento do parceiro. Em um episódio, depois que Júnior ampara o
pai ferido e dopado, Walter o chama de Jesse. Era pai e sócio possessivo
de Pinkman, se aproveitava das fragilidades do parceiro, que ansiava por
reconhecimento. Assim que se sentiu traído pelo sócio e filho adotivo, Walter
exalou o rancor que direcionava àqueles que o desafiavam.
Walter surta ao pensar que Jesse criou uma nova parceria.
Seria a reprodução da história: Jesse se aproveitava da sua ideia para
associar-se a outros e enriquecer. O alívio que sentiu ao descobrir que Jesse era,
na verdade, um escravo, o fez proteger Pinkman nos minutos finais.
Para Walter, Jesse era um jovem estúpido e manipulável. Sempre deixava claro o que pensava do parceiro, principalmente nas brigas. Para manipulá-lo, com dificuldade admitiu, algumas vezes, que o "cristal" de Jesse era de qualidade. Mas somente porque sentia-se superior ao sócio e sabia que as outras pessoas o enxergavam como "o chefe" da dupla.
Heisenberg era a representação de todas as frustrações citadas.
Era um homem controlador, egoísta, dissimulado e vaidoso. Os criminosos mais
maliciosos sempre enxergaram nele uma ameaça, já que Walter não aceitava um
Heisenberg submisso. Desejava ser o patriarca da nova “empresa”, um desejo que
era a massa do seu fracasso familiar e seu fracasso profissional. Uma mistura
química comparável ao poder de destruição da mais potente droga.