01/10/2013

Breaking Bad submerso


O primeiro episódio de Breaking Bad é um importante composto químico da série. É parte do conceito que explica o comportamento imoral - aflorado a cada episódio - de Walter. A resposta está nos minutos iniciais. Antes de o médico lhe informar sobre o câncer.

Walter White é um homem frustrado. É fruto da sociedade, semente contaminada em terra contaminada. É um homem apático, inerte, submisso, infeliz e impotente.

Os primeiros minutos são eficientes ao transmitir o perfil psicológico do protagonista. Ele observa, com pesar, o seu prêmio de Química. Tenta lecionar para alunos desinteressados. É ridicularizado enquanto encera o carro de um estudante que não o respeita. O aluno representa aquilo que afeta Walter psicologicamente. 

Acompanhamos o fracasso. O seu espanto, ao abrir a porta e se deparar com uma festa surpresa, é ilustrativo. É um susto legítimo. 

Walter está deslocado na própria festa de aniversário enquanto o seu cunhado, Hank, é o protagonista. Walter Jr. evidencia toda a sua admiração pelo tio enquanto o pai o observa. Todos os convidados assistem a uma entrevista de Hank e a seu sucesso profissional. 

Walter é o único a não demonstrar interesse pelo que Hank diz e é, ainda assim, o mais afetado. A sua expressão se transforma ao observar uma sacola de dinheiro apreendida por Hank. Não consegue conter o seu interesse pela quantidade de dinheiro que o tráfico de drogas movimenta. 

Walter soube que estava doente apenas no dia seguinte.

O cenário, em resumo, é o fracasso do protagonista diante do sucesso do adversário. Hank sempre foi o rival, o “macho alfa”, o homem admirado pela família composta por ele, Marie, Walter, Skyler e Walter Jr.

A última cena do episódio piloto é o primeiro ato de Heisenberg. Walter não mais quer ser o submisso da relação e cobiça o poder. Heisenberg o cumpre. O ato sexual transpira o almejado domínio, representa o renascer da sua masculinidade. As drogas lhe deram vida na quimioterapia e na criminalidade.

Walter era o “vilão” da série desde o primeiro episódio. Um anti-herói vivo e adormecido. Um homem cheio de falhas e erros. As adversidades fizeram transparecer o seu caráter, gradativamente.

Hank era um homem corajoso e demonstrou integridade quando contou a verdade sobre a sua agressão a Jesse, ainda que lhe custasse o emprego.  Era o “herói” real, cheio de falhas e erros. Porém, as adversidades não comprometeram o seu caráter (apesar do desvio na reta final ao dizer que não se importava com a vida de Jesse. Considero falha dos roteiristas ou uma tentativa de mostrar que, em alguns momentos, todos podem ser “anti-heróis”).

O episódio em que Hank afirma ter descoberto que Gale é o famoso Heisenberg desenha a rixa. Por vaidade e disputa, Walter, além de não admitir que outra pessoa furte a sua “genialidade”, recusou e confrontou o sucesso do cunhado.  

Não foi coincidência a escolha de White pela nova “profissão”. Hank, o homem antidrogas. Walter, o homem das drogas. A antítese perfeita.

O câncer foi a desculpa. Walter se enganou, por um tempo, ao acreditar que produzia drogas para proteger a família. Era por ego, inveja, vaidade e poder. Estava vivo na criminalidade, estava livre das amarras morais que atavam Heisenberg. Walter, por apatia e covardia, precisou de uma situação extrema para, finalmente, quebrar o casulo. 

Com o “cristal azul”, Walter tentou superar a ideia que considerava ser responsável pelo sucesso da empresa dos ex-sócios. Sentia-se traído pelos antigos colegas e frustrado por não ser um integrante da corporação bilionária. O episódio final delineia a sua angústia por não ser reconhecido como o criador da iniciativa. O extremo e exagerado orgulho que sentia pelo “cristal azul” era reflexo de tal desilusão.  

A sua “sociedade” com Jesse o remetia à sua relação com tais ex-sócios e, também, à sua relação com o filho. Walter Jr. era ligado a Hank e não queria que ninguém o chamasse pelo nome real. A cena em que White se embriaga e desafia o próprio filho a beber é uma nítida disputa, com o cunhado, pelo domínio do herdeiro. 

Pinkman é um jovem solitário, desestimulado, em busca de aceitação. Os pais desistem de ajudá-lo (ou nunca o ajudaram) e ele se afunda em amargura. Queria salvar-se da solidão. É fruto da sociedade, semente desamparada em terra contaminada. 

Walter queria ser o orgulho de Jesse e era agressivo com aqueles que interferiam na relação. Nunca desistia daquela “sociedade” e não aceitava o afastamento do parceiro. Em um episódio, depois que Júnior ampara o pai ferido e dopado, Walter o chama de Jesse. Era pai e sócio possessivo de Pinkman, se aproveitava das fragilidades do parceiro, que ansiava por reconhecimento. Assim que se sentiu traído pelo sócio e filho adotivo, Walter exalou o rancor que direcionava àqueles que o desafiavam.

Walter surta ao pensar que Jesse criou uma nova parceria. Seria a reprodução da história: Jesse se aproveitava da sua ideia para associar-se a outros e enriquecer. O alívio que sentiu ao descobrir que Jesse era, na verdade, um escravo, o fez proteger Pinkman nos minutos finais.

Para Walter, Jesse era um jovem estúpido e manipulável. Sempre deixava claro o que pensava do parceiro, principalmente nas brigas. Para manipulá-lo, com dificuldade admitiu, algumas vezes, que o "cristal" de Jesse era de qualidade. Mas somente porque sentia-se superior ao sócio e sabia que as outras pessoas o enxergavam como "o chefe" da dupla.

Heisenberg era a representação de todas as frustrações citadas. Era um homem controlador, egoísta, dissimulado e vaidoso. Os criminosos mais maliciosos sempre enxergaram nele uma ameaça, já que Walter não aceitava um Heisenberg submisso. Desejava ser o patriarca da nova “empresa”, um desejo que era a massa do seu fracasso familiar e seu fracasso profissional. Uma mistura química comparável ao poder de destruição da mais potente droga.