O Sr. Juiz Edílson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas/MG, em decisão (autos nº. 222.942-8/06), no mínimo, indecente, defendeu a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha utilizando-se de argumentos extremamente machistas.
Nenhuma surpresa uma pessoa com idéias machistas defender a inconstitucionalidade de uma lei que visa, justamente, acabar com a discriminação por gênero, fruto do histórico patriarcal brasileiro. Porém, um Juiz de Direito fundamentar sua decisão desconsiderando o verdadeiro significado do princípio constitucional da isonomia e se aproveitando de um preconceito antiquado, é decepcionante.
O juiz alega que a lei é uma “heresia manifesta”. Segundo ele, “fere a lógica de Deus”, que disse à mulher: “o teu desejo será o teu marido e ele te dominará”.
Critica a mulher moderna. De acordo com o magistrado, a mulher moderna frustrou-se como mulher. Completa dizendo que a lei não dá ao homem o direito de errar e “a vingar este conjunto normativo de regras diabólicas, a família estará em perigo”.
Edílson Rodrigues não apenas demonstra-se machista, mas também discrimina os gays ao criticar a adoção e o casamento realizados por homossexuais.
Em relação à Constituição, Rodrigues comenta que a Lei não regulamenta o artigo 226, parágrafo 8º da Carta Magna, uma vez que visa defender apenas a mulher. Pergunta o motivo de colocar somente a mulher como sujeito passivo da lei.
Desconstruir as idéias defendidas na decisão proferida pelo ilustre magistrado não é complicado.
O primeiro critério a ser analisado é o fator de desigualação.
A lei será geral quando compreender um grupo de pessoas e individual quando se voltar a um único sujeito. Será abstrata quando a situação puder se repetir e concreta quando a situação for única e não puder se reproduzir.
A regra geral jamais poderá desrespeitar o princípio da isonomia, assim como a regra abstrata. A regra individual ferirá o princípio quando se referir a sujeito determinado, porém, não desrespeitará quando se referir a sujeito indeterminado. Já a regra concreta, se geral, acatará o princípio, mas, se individual, não acatará.
Pode-se afirmar, ao avaliarmos a Lei Maria da Penha, que ela é geral, uma vez que compreende um grupo de pessoas (as mulheres). É, ainda, abstrata: a agressão à mulher é fato recorrente no nosso dia-a-dia.
Importante lembrar que a lei baseia-se em eventos e circunstâncias que acontecem todos os dias. A essência da questão são as pessoas e as situações em que elas estão.
A Lei, portanto, a considerar o primeiro critério abordado, não desobedece ao princípio constitucional da igualdade.
O segundo critério que mira reconhecer se há desrespeito ao princípio em questão, é identificar se existe uma ligação lógica entre o fator diferencial e a desequiparação resultada.
A discriminação que a Lei nº. 11.340/06 carrega não é casual e muito menos gratuita. Colocar apenas a mulher como sujeito passivo justifica-se. Dados demonstram percentuais altíssimos referentes à violência doméstica contra a mulher e diz como o histórico patriarcal foi essencial para que exista esta discriminação por gênero no Brasil.
É indispensável a atuação do Estado através de uma ação afirmativa, para que a igualdade material seja assegurada às mulheres.
Ou seja, comprovado que há coerência entre o tratamento jurídico distinto e o fator diferencial inerente ao grupo.
A considerar o segundo critério, a lei, logo, não viola o princípio constitucional da igualdade.
O terceiro e último critério é ponderar se a discriminação está em harmonia com os interesses constitucionais.
De acordo com artigo 3º da Constituição de 1988, incisos I e IV, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação.
Ora, a Lei Maria da Penha nada mais visa que coibir a enorme violência contra a mulher existente no Brasil. Visa, portanto, construir uma sociedade mais justa e promover o bem de um grupo tratado desigualmente. Logo, mostra-se em harmonia com a Constituição.
O artigo 4º, inciso II, da Carta Magna determina que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.
A violência doméstica contra a mulher é considerada uma violação aos direitos humanos. O advento de uma lei que visa diminuir tal violação está, desta forma, de acordo com a Constituição.
Artigo 226 da Constituição Federal, parágrafo oitavo, expõe que a família tem especial proteção e que o Estado assegurará assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
A violência contra a mulher no Brasil é alarmante e recorrente, e, portanto, evidencia a necessidade da existência de mecanismos que coíbam o abuso da mulher. Desta forma, protege a família. A Lei está de acordo, mais uma vez, com a Constituição.
Certo, então, que a Lei nº. 11.340, denominada Lei Maria da Penha, não preenche critério algum que desrespeite o princípio da isonomia elencado no artigo 5º da Constituição. A Lei Maria da Penha é definitivamente constitucional neste aspecto. Afirmar o contrário é ignorar o verdadeiro significado de um princípio tão importante para a sociedade. É se utilizar de argumentos fracos. É desconhecer que ao Estado é conferido o dever de proteger os desiguais através de mecanismos que discriminam legitimamente.
Exmo. Juiz perguntou o motivo de colocar somente a mulher como sujeito passivo da lei. O desafio a desconstruir os argumentos enumerados aqui e em outros vários lugares que procuram argumentos e não se utilizam de um mero sensacionalismo machista para justificar suas decisões.
Importante observar que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em sua 4ª Câmara Criminal, declarou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, no final de 2008. Determinou que este juiz de Sete Lagoas/MG analisasse as medidas protetivas requeridas na ação.
O Conselho Nacional de Justiça, em 09/11/2010, decidiu afastar o Sr. Juiz Edílson Rumbelsperger Rodrigues, por dois anos, por considerar machista a decisão de 2007, mecionada acima, proferida pelo magistrado, referente à Lei Maria da Penha.
Obs. Mesmos critérios utilizados para demonstrar a constitucionalidade da Lei Maria da Penha comprovam, também, a constitucionalidade do PL122/2006.
2 comentários:
Fabi,
Como pode haver um cidadão destes? E o pior: como ele se torna um juíz!? Fico realmente entristecido com ocorrências dessas em nosso país, de gente que quer voltar pro Medievo.
Adorei o texto. Vou citá-lo em me blog! :)
Otimo texto esquila, parabens!
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